quarta-feira, 21 de março de 2012

Los girasoles ciegos - Alberto Méndez


A Primeira derrota: 1939 ou Se o coração pensasse parava de bater

Agora sabemos que o capitão Alegría escolheu a sua própria morte ás cegas, sem olhar para o rosto furibundo do futuro que aguarda as vidas desenhadas ao contrário. Escolheu morrer devagar sem paixões ou demonstrações exageradas de sentimentos, sem levantar a voz para além do momento em que cruzou o campo de batalha, com as mãos levantadas o suficiente para não parecer que estava a implorar e, perante um inimigo incrédulo, gritar uma e outra vez: "Sou um rendido!".
Sob um ar morno, transparente como um aroma, caía a noite em Madrid num silêncio melancólico quebrado apenas pelo estalido apagado de projécteis que caiam sobre a cidade com uma regularidade litúrgica e não bélica. "Sou um rendido". Durante duas ou três noites, pelo que consta, o capitão Alegría definiu este momento. É provável que tenha recusado dizer "rendo-me" porque essa palavra corresponderia a algo congelado num momento quando a verdade é que ele se tinha rendido aos poucos. Primeiro rendeu-se, depois entregou-se ao inimigo. Quando teve a oportunidade de falar nisso, definiu o seu gesto como uma vitória ao contrário. "Ainda que todas as guerras se paguem com os mortos, há muito tempo que lutámos por ganância. Teremos que escolher entre ganhar uma guerra ou conquistar um cemitério", concluía numa carta que escreveu à sua namorada Inés em Janeiro de 1938. Agora sabemos que ele, sem o saber, já tinha recusado ambas as opções.
Sabendo agora o que sabemos sobre Carlos Alegría, podemos afirmar que durante a transição entre as duas trincheiras escutou apenas o alvoroço do seu pânico. Todos os ruídos, todas as explosões, todos os gritos, foram absorvidos pelo silêncio da noite. Madrid estava lá ao fundo como um cenário, salpicando a tepidez do ar com os perfis de uma cidade apagada que a Lua desenhava com mágoa. Madrid escondia-se.
Começou assim a derrota do capitão Alegría. Durante três longos anos tinha observado esse inimigo civil e esfarrapado, resignado a que outro exército, o seu, reduzisse a nada aquela cidade imóvel, silenciosa que tinha definido as suas fronteiras à sorte, atrás de umas trincheiras a partir das quais já ninguém esperava um ataque há muito tempo.
"A violência e a dor, a raiva e a debilidade, unem-se com o tempo numa religião de sobrevivências, num ritual de esperas onde os que matam e os que morrem, a vítima e o carrasco, cantam os mesmos salmos monótonos; já só se fala a língua da espada e o idioma da ferida", escreveu Alegría ao seu professor de Direito Natural em Salamanca dois meses antes de se render ao inimigo.


Texto Original

Ahora sabemos que el capitán Alegría eligió su propia muerte a ciegas, sin mirar el rostro furibundo del futuro que aguarda a las vidas trazadas al contrario. Eligió entremorir sin pasiones ni aspavientos, sin levantar la voz más allá del momento en que cruzó el campo de batalla, con las manos levantadas lo necesario para no parecer implorante y, ante un enemigo incrédulo, gritar una y otra vez «¡Soy un rendido!».
Bajo un aire tibio, transparente como un aroma, Madrid nocheaba en un silencio melancólico alterado sólo por el estallido apagado de los obuses cayendo sobre la ciudad con una cadencia litúrgica, no bélica. «Soy un rendido.» Durante dos o tres noches, nos consta, el capitán Alegría estuvo definiendo este momento. Es probable que se negara a decir «me rindo» porque esa frase respondería a algo congelado en un instante cuando la verdad es que él se había ido rindiendo poco a poco. Primero se rindió, después se entregó al enemigo. Cuando tuvo oportunidad de hablar de ello, definió su gesto como una victoria al revés. «Aunque todas las guerras se pagan con los muertos, hace tiempo que luchamos por usura. Tendremos que elegir entre ganar una guerra o conquistar un cementerio», concluía en una carta que escribió a su novia Inés en enero de 1938. Ahora sabemos que él, sin saberlo, había rechazado de antemano ambas opciones.
Sabiendo ahora lo que sabemos de Carlos Alegría, podemos afirmar que durante el tránsito entre las dos trincheras sólo escuchó el alboroto de su pánico. Todos los ruidos, todas las explosiones, todos los gritos, fueron absorbidos por el silencio de la noche. Madrid estaba al fondo como un escenario, salpicando la tibieza del aire con los perfiles de una ciudad apagada que la luna dibujaba a su pesar. Madrid se agazapaba.
Así comenzó la derrota del capitán Alegría. Durante tres largos años había observado a ese enemigo desarrapado y paisano, resignado a que otro ejército, el suyo, anonadara esa ciudad inmóvil, silenciosa, que había trazado sus límites al azar, tras unas trincheras desde las que hacía tiempo nadie esperaba un ataque. «La violencia y el dolor, la rabia y la debilidad, se amalgaman con el tiempo en una religión de supervivencias, en un ritual de esperas donde entonan la misma salmodia el que mata y el que muere, la víctima y su verdugo; ya sólo se habla la lengua de la espada o el idioma de la herida», escribió Alegría a su profesor de Derecho Natural en Salamanca dos meses antes de rendirse al enemigo.

Sem comentários:

Enviar um comentário