quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

An Accidental King Finds His Voice - New York Times

Um Rei Acidental Encontra a Sua Voz


A 3 de Setembro de 1939, depois de o Reino Unido ter declarado Guerra à Alemanha, Jorge VI dirigiu-se a milhões de pessoas do mundo inteiro através da rádio. Foi um apelo sóbrio e vivo ao patriotismo e à força moral, à coragem e à resistência, e foi um dos melhores discursos alguma vez feitos.

Ele teve de se esforçar muito para chegar lá. A aterradora entrada na guerra, em conjunto com o trauma de assumir o trono após a abdicação sem precedentes do seu popular irmão mais velho, Eduardo VIII, tinham feito com que a sua gaguez debilitante, que flagelara o rei desde a infância, regressasse. Os silêncios prolongados na rádio não eram um recurso retórico mas antes uma debilidade verbal.

O facto de ter conseguido fazer tudo isto foi um tributo ao homem que se encontrava a seu lado enquanto falava, um terapeuta da fala australiano sem credenciais e pouco ortodoxo chamado Lionel Logue. “O Discurso do Rei”, que estreia a 24 de Novembro, conta a história da amizade pouco provável entre estes dois homens e descreve como Logue ajudou o rei a encontrar a sua voz e confiança.

“Foi uma tempestade perfeita de catástrofe”, disse Colin Firth, cuja interpretação com nuances do rei Jorge VI gerou um reboliço para os Óscares. “A gaguez causa um grande sofrimento e poucos anos antes ele teria escapado à gravação e edição das suas intervenções. Mas ele era obrigado a falar através de uma invenção nova, a rádio, em directo. E teve de juntar tudo isso a uma ameaça de guerra, onde a única função dele era ter uma voz, falar ao seu povo e ele não consegue falar”.

O filme começa antes de Jorge (na altura chamado Príncipe Alberto ou Bertie) se tornar rei, com uma cena na qual tenta falar a uma multidão expectante no estádio de Wembley. A voz de Colin Firth agita-se. Ele engole as palavras, tropeça nelas e cospe-as aos pedaços, desliza entre silêncios longos e aterradores. É quase fisicamente doloroso vê-lo.

A mulher de Jorge, representada por Helena Bonham Carter, convence-o a procurar a ajuda de Logue (Geoffrey Rush). Os métodos excêntricos de Logue incluem insistir para que ele e Bertie se tratem pelo primeiro nome, fazer Bertie cantar e inquiri-lo de forma impertinente acerca da sua infância solitária e da relação com a sua família fria. O futuro rei vai-se abrindo aos poucos e a sua voz vai relaxando ao mesmo tempo que o seu espírito se reaviva.



“É a forma que Logue encontra de o ajudar numa altura em que as convenções não permitiam a psicanálise a uma pessoa daquelas”, disse Colin Firth. “Logue vem da geração anterior que acreditava que chegar ao cerne do problema psicológico podia ajudar a encontrar a cura”.

O maior medo de Colin Firth foi de fazer Bertie parecer pateta. “Não queria ficar enterrado naquele lugar obscuro, ou gaguejar à taxa máxima no decorrer do filme”, disse ele. Colin e o realizador do filme, Tom Hooper, decidiram que “vai ser desconfortável, temos de sentir a dor dele, mas não até a um ponto em que não a aguentamos”, acrescentou Firth.

As sementes do filme foram plantadas há vários anos, durante a infância do seu guionista David Seidler. O próprio desenvolveu gaguez e mudou-se com a família da Inglaterra para a América durante a guerra. Ele lembra-se de ouvir o rei na rádio do outro lado do oceano.

“Eu ouvia esses discursos e os meus pais diziam-me que ele também gaguejava muito – e vê como ele melhorou” disse Seidler. “Talvez houvesse esperança para mim”.
Alguns anos depois, ele encontrou um dos filhos de Logue, um neurocirurgião reformado que tinha os diários do pai guardados mas que insistiu que qualquer projecto teria que ter a bênção da rainha-mãe, a viúva de Jorge.

Seider escreveu-lhe. “Por favor, não faça isso enquanto for viva”, respondeu ela. “A memória desses acontecimentos ainda é demasiado dolorosa”.

Ela morreu em 2002; o filme está a ser preparado desde aí.

Um rico tesouro de gravações e filmagens de Jorge VI ajudou os cineastas. Uma destas, um discurso que o rei deu na inauguração de uma exposição em Glasgow em 1938, foi tão comovente e o rei parecia tão desesperado e tão triste que levou Colin Firth e Tom Hooper ás lágrimas.

“Isto diz-me muito sobre o que ele lutou e o que sofreu – como deve ter sido para ele”, disse Firth. Mas usou isso como ponto de partida e não como um alvo a atingir.

“Não sou aquela pessoa e não me pareço com ela”, disse ele do rei. “É preciso ultrapassar esse problema e tentar encontrar a verdade de outras formas”.

Tom Hooper disse: “O Colin é um génio porque compreendeu que representar este papel não consistia necessariamente nas palavras ou nos sons que se produzem. Consistia em viver aqueles silêncios aterradores. Quando as pessoas que gaguejam não conseguem dizer a próxima palavra, quando não conseguem falar, o mundo inteiro resume-se a isso. Não existe mais nada para além deles e aquele silêncio”.

Ainda que as conversas  privadas entre Logue, o rei e outros no guião de David Seidler sejam imaginadas, o filme é bastante preciso a nível histórico; até parte do diálogo faz parte da História. O maior desvio da realidade é a compressão dos longos anos de amizade entre o rei e Logue nuns poucos anos chave.

A versão teatral do filme, escrita por David Seidler e encenada por Adrian Noble, tem estreia marcada na Broadway na próxima Primavera.

Colin Firth disse que a deficiência do rei o ajudou, de certa forma, a compreender os problemas dos seus súbditos.

“Ele está a tentar ser solidário com milhões de pessoas que não conhece, sentir o seu sofrimento e não está todo bonito e sentado numa almofada de veludo”, disse ele. “Ele está a experienciar uma luta extraordinária. O facto de ele ter a humildade de não querer a função e a humildade de a cumprir na mesma – havia uma luta corajosa e as pessoas identificavam-se com ela”.

Jorge VI permaneceu amigo de Logue até ao fim das suas vidas. (O rei morreu em 1952, Logue morreu no ano seguinte). O rei pedia a sua ajuda antes de compromissos que envolvessem falar e, em 1937, fê-lo membro da Ordem Real Vitoriana que reconhece serviços pessoais ao regente. O rei nunca ultrapassou a sua gaguez por completo e Tom Hooper disse que seria errado dar um final hollywoodesco típico ao filme, curando-o e dando-lhe um final feliz.

Quando Tom Hooper voltou a ouvir as gravações arquivadas disse: “era claro que o rei ainda estava a lidar com a sua gaguez e que este homem não estava curado. Era um homem que tinha aprendido a viver com aquilo”.
David Seidler disse: “Estou maravilhado com a força de espírito daquele homem. Está registado que Logue disse que o Bertie foi o paciente mais corajoso que ele teve”.