quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma mensagem de Natal de Ricky Gervais: Porque sou ateu

Porque não acredita em Deus? Estão sempre a fazer-me essa pergunta. Tento sempre dar uma resposta sensível e razoável. Algo que costuma ser constrangedor, demorado e inútil. As pessoas que acreditam em Deus não precisam de provas da sua existência e, com certeza que também não as querem para provar que não existe. Estão satisfeitas com a sua crença. Até dizem coisas como “para mim é verdade” e “é a fé”. Mesmo assim dou-lhes a minha resposta lógica porque acho que não ser honesto seria paternalista e indelicado. Por isso é irónico que “Eu não acredito em Deus porque não existe qualquer prova científica que o demonstre e, pelo que sei, a sua própria definição é uma impossibilidade “, é tão paternalista como indelicado.

Arrogante é outra das acusações. O que parece particularmente injusto. A Ciência procura a verdade. E não discrimina. Para o melhor ou o pior, descobre coisas. A Ciência é humilde. Sabe o que sabe e sabe o que não sabe. Baseia as suas conclusões em crenças fundadas em provas sólidas, provas que estão sempre a ser actualizadas e melhoradas. Não fica ofendida quando surgem novos factos. Acolhe o conhecimento. Não se agarra a práticas medievais só porque são uma tradição. Se o fizesse, não íamos tomar vacinas de penicilina, metíamos uma sanguessuga nas calças e rezávamos. Qualquer que seja a sua “crença”, essa nunca será tão eficaz como a Medicina. Pode dizer mais uma vez, “para mim resulta”, mas os placebos fazem o mesmo. O que quero dizer é que Deus não existe. Não estou a dizer que a fé não existe. Eu sei que a fé existe. Estou sempre a vê-la. Porém, acreditar em alguma coisa não a torna verdadeira. A existência de Deus não é subjectiva. Ele existe ou não existe. Não é uma questão de opinião. Pode ter a sua própria opinião, mas não pode ter os seus próprios factos.

Porque é que não acredito em Deus? Não, não, não. Porque é que VOCÊ acredita em Deus? Com certeza que o peso da crença está no crente. O senhor é que começou isto. Se fosse ter consigo e perguntasse, “Porque é que não acredita que eu consigo voar?”, diria, “Porque haveria de acreditar?” ao que eu responderia, “Porque é uma questão de fé”. Se depois eu dissesse “Prove que eu não consigo voar. Prove que eu não consigo voar. Não consegue, pois não?” O mais provável é que me virasse as costas, ou chamasse a segurança ou me atirasse da janela e gritasse: “Então, voe lá, lunático de merda.”
Isto é, claro, uma questão espiritual, a religião é um assunto diferente. Como ateu, não acho que haja algo “errado” em acreditar em Deus. Não acho que exista um Deus, mas a crença n’Ele não faz mal. Se o ajuda de alguma forma, então tudo bem. É quando a crença começa a interferir nos direitos das outras pessoas que a coisa me começa a preocupar. Eu nunca negaria o seu direito de acreditar num Deus. Apenas preferia se não matasse outras pessoas que, por exemplo, acreditassem noutro Deus. Ou apedrejasse alguém até à morte porque o vosso livro de conduta diz que a sua sexualidade é imoral. É estranho que alguém que acredita num poder omnisciente poderoso e sábio responsável por tudo o que acontece, também queira julgar e castigar pessoas pelo que elas são. Pelo que sei, o pior tipo de pessoa que se pode ser é um ateu. Os primeiros quatro mandamentos estão sempre a bater nesta tecla. “Existe um Deus. Que sou Eu e mais ninguém, tu não és tão bom como Eu e não te esqueças disso. (Não mates ninguém só aparece no número 6).

Quando me deparo com alguém que repudia a minha falta de fé religiosa, digo: “Foi assim que Deus me fez”.

Mas de que é que acusam os ateus?
No dicionário define-se Deus como “um criador e vigilante sobrenatural do Universo”. Dentro desta definição incluem-se todas as divindades, deusas e seres sobrenaturais. Desde o início dos registos históricos, que se define pela invenção da escrita pelos Sumérios há cerca de 6000 anos, os historiadores catalogaram mais de 3700 seres sobrenaturais, dos quais 2870 podem ser consideradas divindades.
Por isso, da próxima vez que alguém me disser que acredita em Deus, vou dizer: “Ah, em qual? Zeus? Hades? Júpiter? Marte? Odin? Thor? Krishna? Vishnu? Rá?...” Se me responderem: “Em Deus, simplesmente. Apenas acredito no Deus único”, digo-lhes que são quase tão ateus como eu. Não acredito em 2870 deuses e eles não acreditam em 2869.
Já acreditei em Deus. E com isto refiro-me ao Cristão.
Adorava Jesus. Ele era o meu herói. Mais do que estrelas pop. Mais do que jogadores de futebol. Mais do que Deus. Deus era, por definição, omnipresente e perfeito. Jesus era um homem. Tinha de se esforçar. Tinha tentações, mas derrotou o pecado. Tinha integridade e coragem. Mas Ele era o meu herói porque era bom. E era bom para toda a gente. Não se rebaixava à pressão de grupo ou à tirania ou à crueldade. Não queria saber quem éramos. Amava-nos. Que homem. Queria ser como Ele.
Um dia, quando tinha uns 8 anos, estava a desenhar o crucifixo para trabalho de casa da catequese. Também adorava arte. E a Natureza. Adorava como Deus tinha feito todos os animais. Também eram perfeitos. Belos sem senão. Era um mundo maravilhoso.
Vivia numa casa muito pobre e trabalhadora num subúrbio chamado Reading, cerca de 64 km a oeste de Londres. O meu pai era operário e a minha mãe era dona de casa. Nunca tive vergonha da pobreza. Era quase nobre. Além disso, toda a gente que conhecia estava na mesma situação e tinha tudo o que necessitava. A escola era de graça. A minha roupa era barata e era sempre lavada e passada a ferro. E a mamã estava sempre a cozinhar. Estava a cozinhar no dia em que estava a fazer um desenho da cruz.
 
Estava sentado à mesa da cozinha quando o meu irmão chegou a casa. Ele é 11 anos mais velho do que eu, por isso devia ter 19 anos. Ele era tão inteligente como toda a gente que conhecia, mas era folgado demais. Ele respondia às pessoas e metia-se em apuros. Eu era um bom rapaz. Ia à missa e acreditava em Deus, que alívio para uma mãe da classe trabalhadora. Não sei se sabem, mas onde eu cresci, as mães não tinham assim tantas esperanças de ver os filhos tornarem-se médicos, só esperavam que os filhos não fossem para a prisão. Por isso fazer com que estes acreditassem em Deus faria com que se tornassem bons e cumpridores da lei. É um sistema perfeito. Bem, quase. 75 por cento dos americanos são cristãos tementes de Deus, 75 por cento dos prisioneiros são cristãos tementes de Deus. 10 por cento dos americanos são ateus. 0,2 por cento dos prisioneiros são ateus.
Mas adiante, ali estava eu todo contente a desenhar o meu herói quando o meu irmão mais velho perguntou: “Porque é que acreditas em Deus?”. Era só uma pergunta simples. Mas a minha mãe entrou em pânico. “Bob”, disse ela num tom que eu compreendia o que significava, “Cala-te”. Qual era o mal de perguntar? Se Deus existia e a minha fé era forte não importava o que as pessoas diziam.
Ah… esperem. Deus não existe. Ele sabe e, no fundo, ela também. Era só isto. Comecei a pensar nisso e a fazer mais perguntas e, uma hora depois, era ateu.
Uau. Deus não existe. Se a mamã me tinha mentido acerca de Deus, será que também me tinha mentido em relação ao Pai Natal? Sim, claro, mas que interessa? Continuei a ter prendas. E também as dádivas do meu novo ateísmo. As dádivas da verdade, da ciência, da natureza. A verdadeira beleza deste mundo. Aprendi coisas sobre a evolução (uma teoria tão simples que apenas o maior génio da Inglaterra poderia ter criado). A Evolução das plantas, dos animais e a nossa (com a imaginação, o livre arbítrio, o amor, o humor). Já não precisava de encontrar uma razão para a minha existência, apenas de uma razão para viver. E imaginação, livre arbítrio, amor, humor, divertimento, música, desporto, cerveja e pizza são boas razões para viver.
Porém, para viver uma vida honesta precisam da verdade. Isso foi outra coisa que aprendi naquele dia, que a verdade, independentemente de ser chocante ou incómoda, no fim de contas, leva à libertação e à dignidade.

Então, o que é que a pergunta “Porque é que não acredita em Deus?” significa realmente? Acho que quando alguém pergunta isso, estão a questionar a sua própria fé. De certa forma estão a perguntar: “o que o torna tão especial?” “Porque é que não lhe fizeram uma lavagem ao cérebro como nos fizeram a nós?” “Como se atreve a dizer que sou um tolo e não vou para o Céu? Vá-se foder! Vamos ser honestos, se fosse só uma pessoa a acreditar em Deus, ia ser muito estranho. Mas porque é um ponto de vista muito popular, é aceite. E porque é que é tão popular? É óbvio. É uma proposta interessante. Acreditem em mim e vivam para sempre. Mais uma vez, se este fosse apenas um caso de espiritualidade, não havia mal nenhum.

“Não faças aos outros…” é uma boa regra de algibeira. Eu vivo segundo esse princípio. O perdão deve ser a melhor virtude que existe. Porém não é mais do que isso: uma virtude. Não é apenas uma virtude cristã. Ninguém deve a ninguém o facto de ser bom. Eu sou bom. Simplesmente não acredito que vou ser recompensado por isso no Céu. A minha recompensa está aqui e vem agora. É saber que tento fazer o que está certo. Que tive uma vida boa. E foi aí que a espiritualidade se perdeu. Quando se tornou num pau para bater nas pessoas. “Faz isto ou vais arder no Inferno”.

Não vai arder no Inferno. Mas seja bom na mesma.