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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Neil Gaiman: O Guia de um Zé Ninguém nos Óscares

Alguns escritores estavam zangados por não irem aos Óscares. Uns amigos contaram-me. "Então, tu vais?", perguntaram eles.

Eu tinha escrito um livro chamado Coraline e a Porta Secreta que o realizador Henry Selick tinha transformado numa maravilha em stop-motion. Tinha ajudado o Henry o mais que pude durante todo o processo de transformar algo de um livro num filme. Tinha apoiado o filme, encorajado as pessoas a ir vê-lo, cravado botões num trailer na internet. Tinha escrito um segmento de 15 segundos para os Óscares no qual a Coraline dizia a um jornalista que impacto teria na sua vida ganhar um Óscar. Achei que isso seria o suficiente para me levar aos Óscares. Não foi. Porém, o Henry, na qualidade de realizador, tinha bilhetes e podia decidir a quem entregá-los e entregou-me um deles.



O meu pai tinha falecido no dia 7 de março de 2009. Os Óscares deste ano foram no dia 7 de março. Esperava que fosse um dia como os outros e que isso não me incomodasse nada, o que demonstra que não me conheço a mim próprio muito bem porque, quando chega o dia, sou a personificação da melancolia e não quero ir aos Óscares. Quero ficar em casa, passear na floresta com o meu cão e se pudesse simplesmente carregar num botão e ficar lá sem desiludir ninguém, era o que fazia.

Visto-me. Uma estilista chamada Kambriel, que conheci quando fez um vestido que permitisse que a minha noiva e o Jason Webley representassem gémeos siameses, tinha-se oferecido para me vestir para os Óscares e eu aceitei a oferta. Ela fez-me um blazer e um colete e até acho que eles me ficam bem. E o melhor de tudo é que agora tenho uma resposta para as pessoas que me perguntam: "O que vais usar nos Óscares?" E isso deixa a Kambriel muito feliz.

A Focus Films, que distribuiu Coraline está a tratar bem de mim. Na noite de véspera dos Óscares deram uma pequena festa no Chateau Marmont para os seus dois nomeados: Coraline e Um Homem Sério. Os convidados eram uma mistura estranha de judeus de Minneapolis e de animadores. E ainda mais estranho era o facto de eu ser um dos judeus de Minneapolis (ou quase: acabei por comparar apontamentos com um dos convidados que serviram para um artigo explosivo para o jornal de St. Paul que denunciava que afinal vivo a uma hora de Minneapolis).

A melhor parte dos Óscares, apercebi-me disto quando anunciaram os nomeados, é que Coraline não vai ganhar o prémio de melhor filme de animação. Nada para além de Up- Altamente pode vencer o prémio de melhor filme de animação.

Uma limusine vem buscar-me às 15:00 e vamos para os Óscares. Vamos devagar: as ruas estão fechadas. Os últimos civis que vemos estão numa esquina a segurar em cartazes que dizem que Deus Odeia Gays, que os terramotos recentes são a Forma Espacial de Deus de Odiar Gays e que os Judeus Roubaram alguma coisa, mas não consegui ver bem o quê porque estava outro cartaz a tapar essa parte.

Quando estamos a um bairro de distância do Kodak Theatre, o carro é revistado e depois chegamos lá e atiram-me para a carpete vermelha. Alguém coloca um recibo na minha mão para encontrar o carro mais tarde.

É um caos controlado.

Estou especado ali no meio e apercebo-me de que não faço ideia do que tenho de fazer agora, mas as mulheres parecem borboletas e há pessoas nas bancadas que gritam sempre que uma limusine chega. Alguém chama: "Neil?"

É a Deette da Focus. "Acabei de levar o Henry. Que bela coincidência. Queres que te leve?"

Quero muito. Ela pergunta se quero passar pelas câmaras e eu digo que sim porque a minha noiva está na Austrália e as minhas filhas estão a ver a cerimónia na televisão e a Kambriel vai ficar feliz por ver o blazer dela na televisão.



Caminhamos pela multidão atrás de alguém com um vestido bonito. Parece uma aguarela de um sonho. Não reconheço ninguém, exceto o Steve Carrell porque ele é exatamente igual ao Steve Carrell da televisão, só que é um bocadinho menos cor-de-laranja.

Arrumam-nos como sardinhas enlatadas quando passamos pelos detetores de metal e alguém pisa o vestido de aguarela bonito e a senhora que o está a usar é muito cortês quando isso acontece.

Pergunto à Deette quem está dentro do vestido e ela diz-me que é a Rachel McAdams. Quero cumprimentá-la (a Rachel disse coisas simpáticas sobre mim em algumas entrevistas), mas ela agora está a trabalhar. Eu não. Ninguém quer tirar-me fotografias, nem, descobre a Deette, entrevistar-me. Sou invisível.

Paramos na curva da carpete vermelha. Observo o vestido de aguarela da Rachel McAdams e pergunto-me se consigo ver a marca de um sapato. As câmaras disparam, mas não na minha direção.

E entramos no Kodak Theatre. Uma pessoa apresenta-me ao editor da revista Variety. Apercebo-me de que as minhas competências de reconhecimento facial não funcionam quando as pessoas estão a usar fatos (com a exceção do James Cameron que até hoje nunca vi sem um fato e não reconheceria se estivesse a usar outra coisa). Digo isto ao editor da Variety. Ele aponta para um homem bronzeado e com um grande sorriso, diz-me que é o Mayor de Los Angeles. "Ele vem a estas coisas todas", diz ele. "Porque é que não está atrás da secretária a trabalhar?"

"Er. Porque este é maior dia do ano em Hollywood?" Aventuro-me. "E é domingo?"

"Bem. Sim, Mas ele só aparece quando se abre o armário das bebidas".

Tinha ido aos Globos de Ouro seis semanas antes e descobri que os intervalos nas cerimónias de entrega de prémios são passados numa forma estranha de speed-dating em massa de Hollywood, já que as pessoas andam pela sala a tentar encontrar amigos ou fechar negócios e assumo que esta noite seja igual.

O Kodak Theatre tem um andar térreo e, acima dele, três mezaninos. O meu bilhete é para o primeiro mezanino. Subo, como uma ovelha, as escadas. As pessoas esmagam-se para entrar à medida que uma voz incorpórea nos diz com urgência que os prémios da Academia começam daí a 5 minutos. Olho especado para a mulher à minha frente. Ela tem cabelo louro e uma cara que se parece estranhamente com um peixe, uma cara de plástico assustadora e doce ao mesmo tempo. Ele tem mãos velhas e um marido pequeno e enrugado que parece ser muito mais velho do que ela. Pergunto-me se tinham a mesma idade quando se casaram.

E estamos aqui, sem tempo a perder. As luzes apagam-se e o Neil Patrick Harris canta uma canção especial para os Óscares. Parece que não tem melodia. Várias pessoas no Twitter que não souberam distinguir os dois Neils felicitam-me pelo número.

E agora os nossos anfitriões: Steve Martin e Alec Baldwin. Eles apresentam-se e dizem piadas. A partir do primeiro mezanino, o timing não parece certo, as piadas são constrangedoras, a forma como são ditas é rígida. Mas não parece que estão a atuar para nós. Pergunto-me se aquilo funciona na televisão e faço essa pergunta no Twitter. Algumas centenas de pessoas dizem-me que é tão mau na televisão como o que estou a ver, 20 dizem-me que estão a gostar. Chego à conclusão de que o Twitter serve para isto: fazer-nos companhia quando estamos completamente sozinhos no mezanino.

O melhor filme de animação é a segunda categoria da noite. Os meus 15 segundos da Coraline a falar para a câmara passam depressa. Aí está, penso eu. A maior audiência que as minhas palavras alguma vez vão ter. Up vence.



Os Óscares continuam. No público não conseguimos ver o que se vê na televisão em casa. Algures abaixo de mim, o George Clooney está a fazer caretas para a câmara, mas eu não sei.

A Tina Fey e o Robert Downey Jr. apresentam o prémio de melhor argumento e têm piada. Pergunto-me se escreveram o segmento deles.

Durante o intervalo, as luzes diminuem e começam a tocar uma música própria para conviver. A Roxanne não tem de ligar a luz vermelha.

Dirijo-me ao bar do primeiro mezanino. Tenho fome e quero matar algum tempo. Bebo whisky. Peço um brownie de chocolate que descubro que é quase tão grande como a minha cabeça e a coisa mais doce que alguma vez coloquei na minha boca. Partilho-o.

As pessoas sobem e descem as escadas sem rumo.

Com o whisky e o açúcar a repararem o meu sistema, desafio as ordens escritas no meu bilhete que dizem para não fotografar nada e envio uma fotografia do menu do bar para o Twitter. A minha noiva está a enviar-me mensagens no Twitter onde me pede para fotografar o interior da casa-de-banho das senhoras, algo que ela fez nos Globos de Ouro, mas mesmo no meu estado carcomido pelo açúcar, aquela parece-me uma ideia potencialmente desastrosa. Ainda assim, penso, devia descer as escadas e cumprimentar o Henry Selick no intervalo seguinte. Desço as escadas. Um jovem simpático de fato pede-me o meu bilhete. Eu mostro-lhe. Ele explica que, na qualidade de residente do primeiro mezanino, não tenho permissão para descer as escadas e potencialmente incomodar os VIP's.

Fico revoltado.

Na verdade, não estou revoltado, mas fico um pouco aborrecido e tenho amigos lá em baixo.

Decido que vou convencer os habitantes dos mezaninos a fazerem uma revolução e a invadirem as escadas como no Titanic. Podem disparar contra alguns de nós, penso eu, mas não nos podem travar a todos. Podemos ser livres: podemos beber no bar lá em baixo, podemos conviver com o Harvey Weinstein.

Alguém me diz no Twitter que ninguém está a vigiar os elevadores. Suspeito que isso pode ser uma armadilha e regresso ao meu lugar.

Perdi o tributo aos filmes de terror.

A Rachel McAdams apresenta um prémio no seu vestido belo e tão na moda.

Nos prémios para o melhor ator e melhor atriz, um conjunto de pessoas que já trabalharam com os nomeados dizem-nos como são todos maravilhosos. Pergunto-me se aquilo funciona na televisão. No palco à nossa frente, é tão desajeitado que dói.

As pessoas em baixo estão a atropelar-se e a conversar e a bisbilhotar cada vez mais a cada intervalo. Começa a sentir-se uma ponta de pânico na voz incorpórea da anunciadora quando manda toda a gente regressar aos seus lugares.

O homem no bar que se parecia com o Sean Penn era mesmo o Sean Penn. A ovação em pé ao Jeff Bridges chega até ao último mezanino. A ovação em pé à Sandra Bullock só chega às filas da frente do nosso nível e para aí. A ovação em pé à Kathryn Bigelow chega a todo o auditório, exceto, por alguma razão, ao cimo do lado direito do primeiro mezanino, onde eu estou sentado e onde nos mantemos sentados e batemos palmas com cortesia.

Tudo parece estar a ganhar força para atingir o clímax e depois o Tom Hanks entra no palco e diz-nos, sem qualquer cerimónia (sem contar com os meses de campanha para os Óscares) que, ah, já agora, o Estado de Guerra venceu a categoria de melhor filme e boa noite. E acabou.

Subo dois lances de escadas para chegar ao baile do governador e sento-me a falar com o Michael Sheen (que trouxe a sua filha Lily de 11 anos) sobre o jantar de sushi que tivemos dois dias antes e foi interrompido por uma operação policial. Ainda não fazemos ideia porquê. (Na manhã seguinte vai ser uma notícia de primeira página no New York Times. Estavam a servir carne ilegal de baleia).

Vejo o Henry Selick. Ele parece estar aliviado por ter terminado a época de prémios e por poder prosseguir com a vida dele.

Parece-me que andei sonâmbulo e invisível num dos dias mais melancólicos da minha vida. Naquela noite há festas glamourosas, mas não vou a nenhuma e prefiro ficar sentado no lobby de um hotel com bons amigos. Falamos sobre os Óscares.

Na manhã seguinte, na última página do suplemento dos Óscares do Los Angeles Times há uma fotografia panorâmica enorme das pessoas na carpete vermelha. Com uma certa surpresa, encontro-me nela de pé mesmo no meio a olhar especado para o belo vestido de aguarela da Rachel McAdams, à procura de marcas de sapatos.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Donna Highfill: A razão pela qual as mulheres deviam usar laranja florescente na carpete vermelha (Huffington Post)


A época dos prémios começou e, muito à semelhança da época da caça, algumas mulheres vão ser abusadas verbalmente este ano enquanto caminham pela carpete vermelha.

Estas mulheres têm um talento incrível, mas mesmo assim pedem-lhes para andar numa carpete vermelha devagar, como se fossem veados bonitos e inocentes a entrar num clube de caça. Assim que estas mulheres realizadas saem das suas limusines, começo a entrar em pânico por elas ao ver os flashes das câmaras que as irão dar o sinal para quais delas serão marcadas com uma etiqueta de “melhor” ou “pior” na manhã seguinte.

Apetece-me dizer-lhes para vestirem alguma coisa laranja flurescente, pode ser que assim as câmaras não as atinjam. Isto porque, o mais provável é que, a não ser que elas sejam tão magras que pareçam um cabide, ou sejam uma das queridinhas da moda (ou seja, a Anne Hathaway ou a Helen Mirren), é muito provável que caiam numa embuscada verbal.

O meu pânico aumenta para todas as mulheres que se apresentam naquela passerelle com uma criação das suas filhas, ou que vistam branco quando têm mais de 38 kg, ou, ainda pior, sem cintas. Sou uma admiradora de auto-confiança e de determinação, mas sinto-me mal pelas barbaridades que vão ler no dia seguinte.



Eu própria, com 52 anos, tenho de admitir que já sonhei várias vezes com receber um prémio. Já imaginei a chamada telefónica de alguém da indústria que me diz: “Donna Highfill, o seu último blog foi tão engraçado que está nomeada para um Emmy na categoria dos blogs”. Eu sei que essa categoria não existe, mas vou sugeri-la à Academia.

Vou preparar o meu discurso, uma pequena proeza que mistura uma história do meu passado para demonstrar a minha humanidade, uma deixa comovente sobre outra pessoa que não ocupe muito tempo, mas que toca o coração e duas piadolas que fazem o George Clooney perder-se de riso e dar-me um olhar que diz: "Quem me dera que não fosses casada...".

Sim, vou ser a rainha da galhofa durante os intervalos, vou encantar o Richard Gere e a Meryl Streep que vão perguntar quando eu passar: "Quem era aquela mulher hilariante?” Vou ignorar a Taylor Swift, só porque ela me irrita, mas vou piscar o olho à Tina Fey e à Amy Poehler porque vamos ficar amigas depressa.

A única coisa que está a faltar no meu sonho muito detalhado é o meu desfile pela passadeira vermelha e eu sei que, se não completar esta visão, ela pode não se tornar realidade. Por isso, imagino os fotógrafos como caçadores em busca da próxima presa. Eu sei que a forma como vou desfilar na passadeira vai parecer algo saído dos Jogos da Fome: uma corrida para um local seguro onde o melhor que posso fazer para sobreviver é misturar-me com o ambiente.



Quando sair da minha limusine alugada, os meus sapatos vão ter tiras largas no tornozelo para cobrir a coleção de veias salientes e inchaço que tem a audácia que ainda se chamar tornozelo. Meias de rede com uma variedade de desenhos de fogos–de-artifício lilases e azuis que vão cobrir as minhas pernas e misturar-se com as varizes nas minhas coxas.

O meu vestido vai ser vermelho, da mesma tonalidade da carpete debaixo dos meus pés. O meu cabelo vai ter um corte de estilo bob, o mais comum de todos. Na minha cara, vou ter tanta maquilhagem refletora de luz que ela vai lutar com os flashes das câmaras e todas as minhas fotos vão ter uma luz brilhante no sítio onde devia estar a minha cara.

Quando os caçadores perguntarem o meu nome à minha publicista alugada, ela vai dizer “Florence Henderson”. Sempre me disseram que sou parecida com ela e parece que ela tem um sentido de humor faboloso, por isso talvez não me processe.

O meu desfile vai ter de ser rápido, visto que a minha mãe sempre me disse que caminho como o Y.A. Title, a velha vedeta de futebol americano. Ele andava muito e eu também. É um bom nome, por isso posso usá-lo quando gritarem "Quem foi o estilista?" Eu vou sorrir, olhar para baixo para o meu vestido e passar muito depressa por eles e atirar-lhes: Y.A. Titlle!

Assim que tiver terminado a passerelle, e depois de ter dado um encontrão ao Hugh Jackman porque não estava prestar atenção à minha direção, vou estar a salvo. Vou estar preparada para sussurrar deixas espertas às estrelas que elas me vão implorar para escrever nos seus próximos guiões.

E, quando for uma escritora famosa, vou escrever para um blog durante os eventos que envolvam uma carpete vermelha e vou ser simpática para todas as mulheres que passam nela. Vou nomear tudo o que achar belo nelas, incluindo a sua confiança e vou aplaudir todas elas por terem a coragem de enfrentar as câmaras.

Até a Taylor Swift.



Why Women Should Wear Blaze Orange To The Red Carpet

Award show season has opened, and much like hunting season there will be some women verbally slaughtered this year as they stroll down the red carpet.

These are women with incredible talent, yet they are asked to walk down the red carpet slowly, like beautiful, innocent deer entering a hunt club. As soon as these accomplished women step out of their limos, I begin to panic for them, watching the camera flashes that will signal the "best" or "worst" label that will tag them the next morning.

I want to tell them to wear blaze orange so maybe the cameras won't shoot them. Because, odds are unless they are so thin they look like an actual wire hanger or are one of the fashion faves (i.e. Anne Hathaway, Helen Mirren), odds are they're going to get verbally ambushed.

My panic elevates for every woman who proceeds down that runway in her daughter's design, or in white if she's more than 85 lbs, or even worse, Spanx-less. I admire their self-confidence and determination, but feel for the barbs they will have to read the next day.

At the age of 52, I have to admit that I've dreamed repeatedly about winning my own award. I have imagined the phone call from an industry insider saying, Donna Highfill, the last blog you posted was so funny you are up for an Emmy in the blogging category. I know that category doesn't exist, but I'm going to suggest it to the Academy.

I will prepare my speech, a little ditty that mixes in a story from my past to show my humanity, a touching line about somebody else that doesn't take too much time but touches the heart, and a couple of zingers that make George Clooney laugh uncontrollably and then give me a look that says, If only you weren't married . . .

Yes, I will be the queen of banter during commercials, charming Richard Gere and Meryl Streep who ask after I pass, Who is that hilarious woman? I will ignore Taylor Swift, just because she annoys me, but wink at Tina Fey and Amy Poehler, because we are soon to be fast friends.

The only thing missing from my very detailed dream is the walk down the red carpet, and I realize that if I don't complete this visualization it may not come true. So, I imagine the cameramen as hunters, looking for their next kill. I realize that my runway walk will be like the Hunger Games -- a dash to safety where the greatest opportunity for survival is to blend in.

As I step out of the rented limo, my shoes will have wide straps at the ankle. covering the collection of bulging veins and slight puffiness that has the audacity to still call itself an ankle. Fishnet stockings with a variety of firework-like designs in purple and blue will cover my legs, blending with the broken veins on my thighs.

My dress will be red, the exact color of the carpet beneath my feet. My hair will be cut in a bob, the most common of all haircuts. On my face I will wear so much light-reflecting make-up that it will fight the camera flash, and every photo of me will show a bright light where my face should be.

When the hunters ask my rented publicist for my name, she will say, Florence Henderson. I've always been told that I look like her, and she seems to have a fabulous sense of humor so, perhaps, she will not sue me.
My walk will have to be quick, since my mother always told me that I have a gait like Y.A. Tittle, the old football star. He lumbered a lot, and so do I. It's a great name, so I might use that when they yell, Who are you wearing? I will smile, look down at my dress as I speed past them, and volley with, Y.A. Tittle!
Once I make it past the runway, perhaps slamming into Hugh Jackman because I wasn't paying careful attention to where I was going, I will be safe. I will be ready to whisper to the stars clever lines that will make them beg me to write their next screen play.

And, once I am a famous writer, I will blog during the red carpet events, and I will be kind to every woman who walks down it. I will point out everything of beauty about them, including their confidence, and I will applaud every single one of them for having the courage to face the camera.

Even Taylor Swift.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

An Accidental King Finds His Voice - New York Times

Um Rei Acidental Encontra a Sua Voz


A 3 de Setembro de 1939, depois de o Reino Unido ter declarado Guerra à Alemanha, Jorge VI dirigiu-se a milhões de pessoas do mundo inteiro através da rádio. Foi um apelo sóbrio e vivo ao patriotismo e à força moral, à coragem e à resistência, e foi um dos melhores discursos alguma vez feitos.

Ele teve de se esforçar muito para chegar lá. A aterradora entrada na guerra, em conjunto com o trauma de assumir o trono após a abdicação sem precedentes do seu popular irmão mais velho, Eduardo VIII, tinham feito com que a sua gaguez debilitante, que flagelara o rei desde a infância, regressasse. Os silêncios prolongados na rádio não eram um recurso retórico mas antes uma debilidade verbal.

O facto de ter conseguido fazer tudo isto foi um tributo ao homem que se encontrava a seu lado enquanto falava, um terapeuta da fala australiano sem credenciais e pouco ortodoxo chamado Lionel Logue. “O Discurso do Rei”, que estreia a 24 de Novembro, conta a história da amizade pouco provável entre estes dois homens e descreve como Logue ajudou o rei a encontrar a sua voz e confiança.

“Foi uma tempestade perfeita de catástrofe”, disse Colin Firth, cuja interpretação com nuances do rei Jorge VI gerou um reboliço para os Óscares. “A gaguez causa um grande sofrimento e poucos anos antes ele teria escapado à gravação e edição das suas intervenções. Mas ele era obrigado a falar através de uma invenção nova, a rádio, em directo. E teve de juntar tudo isso a uma ameaça de guerra, onde a única função dele era ter uma voz, falar ao seu povo e ele não consegue falar”.

O filme começa antes de Jorge (na altura chamado Príncipe Alberto ou Bertie) se tornar rei, com uma cena na qual tenta falar a uma multidão expectante no estádio de Wembley. A voz de Colin Firth agita-se. Ele engole as palavras, tropeça nelas e cospe-as aos pedaços, desliza entre silêncios longos e aterradores. É quase fisicamente doloroso vê-lo.

A mulher de Jorge, representada por Helena Bonham Carter, convence-o a procurar a ajuda de Logue (Geoffrey Rush). Os métodos excêntricos de Logue incluem insistir para que ele e Bertie se tratem pelo primeiro nome, fazer Bertie cantar e inquiri-lo de forma impertinente acerca da sua infância solitária e da relação com a sua família fria. O futuro rei vai-se abrindo aos poucos e a sua voz vai relaxando ao mesmo tempo que o seu espírito se reaviva.



“É a forma que Logue encontra de o ajudar numa altura em que as convenções não permitiam a psicanálise a uma pessoa daquelas”, disse Colin Firth. “Logue vem da geração anterior que acreditava que chegar ao cerne do problema psicológico podia ajudar a encontrar a cura”.

O maior medo de Colin Firth foi de fazer Bertie parecer pateta. “Não queria ficar enterrado naquele lugar obscuro, ou gaguejar à taxa máxima no decorrer do filme”, disse ele. Colin e o realizador do filme, Tom Hooper, decidiram que “vai ser desconfortável, temos de sentir a dor dele, mas não até a um ponto em que não a aguentamos”, acrescentou Firth.

As sementes do filme foram plantadas há vários anos, durante a infância do seu guionista David Seidler. O próprio desenvolveu gaguez e mudou-se com a família da Inglaterra para a América durante a guerra. Ele lembra-se de ouvir o rei na rádio do outro lado do oceano.

“Eu ouvia esses discursos e os meus pais diziam-me que ele também gaguejava muito – e vê como ele melhorou” disse Seidler. “Talvez houvesse esperança para mim”.
Alguns anos depois, ele encontrou um dos filhos de Logue, um neurocirurgião reformado que tinha os diários do pai guardados mas que insistiu que qualquer projecto teria que ter a bênção da rainha-mãe, a viúva de Jorge.

Seider escreveu-lhe. “Por favor, não faça isso enquanto for viva”, respondeu ela. “A memória desses acontecimentos ainda é demasiado dolorosa”.

Ela morreu em 2002; o filme está a ser preparado desde aí.

Um rico tesouro de gravações e filmagens de Jorge VI ajudou os cineastas. Uma destas, um discurso que o rei deu na inauguração de uma exposição em Glasgow em 1938, foi tão comovente e o rei parecia tão desesperado e tão triste que levou Colin Firth e Tom Hooper ás lágrimas.

“Isto diz-me muito sobre o que ele lutou e o que sofreu – como deve ter sido para ele”, disse Firth. Mas usou isso como ponto de partida e não como um alvo a atingir.

“Não sou aquela pessoa e não me pareço com ela”, disse ele do rei. “É preciso ultrapassar esse problema e tentar encontrar a verdade de outras formas”.

Tom Hooper disse: “O Colin é um génio porque compreendeu que representar este papel não consistia necessariamente nas palavras ou nos sons que se produzem. Consistia em viver aqueles silêncios aterradores. Quando as pessoas que gaguejam não conseguem dizer a próxima palavra, quando não conseguem falar, o mundo inteiro resume-se a isso. Não existe mais nada para além deles e aquele silêncio”.

Ainda que as conversas  privadas entre Logue, o rei e outros no guião de David Seidler sejam imaginadas, o filme é bastante preciso a nível histórico; até parte do diálogo faz parte da História. O maior desvio da realidade é a compressão dos longos anos de amizade entre o rei e Logue nuns poucos anos chave.

A versão teatral do filme, escrita por David Seidler e encenada por Adrian Noble, tem estreia marcada na Broadway na próxima Primavera.

Colin Firth disse que a deficiência do rei o ajudou, de certa forma, a compreender os problemas dos seus súbditos.

“Ele está a tentar ser solidário com milhões de pessoas que não conhece, sentir o seu sofrimento e não está todo bonito e sentado numa almofada de veludo”, disse ele. “Ele está a experienciar uma luta extraordinária. O facto de ele ter a humildade de não querer a função e a humildade de a cumprir na mesma – havia uma luta corajosa e as pessoas identificavam-se com ela”.

Jorge VI permaneceu amigo de Logue até ao fim das suas vidas. (O rei morreu em 1952, Logue morreu no ano seguinte). O rei pedia a sua ajuda antes de compromissos que envolvessem falar e, em 1937, fê-lo membro da Ordem Real Vitoriana que reconhece serviços pessoais ao regente. O rei nunca ultrapassou a sua gaguez por completo e Tom Hooper disse que seria errado dar um final hollywoodesco típico ao filme, curando-o e dando-lhe um final feliz.

Quando Tom Hooper voltou a ouvir as gravações arquivadas disse: “era claro que o rei ainda estava a lidar com a sua gaguez e que este homem não estava curado. Era um homem que tinha aprendido a viver com aquilo”.
David Seidler disse: “Estou maravilhado com a força de espírito daquele homem. Está registado que Logue disse que o Bertie foi o paciente mais corajoso que ele teve”.


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Excerto de "American Gods" de Neil Gaiman parte 2


Entorpecido, empacotou as suas posses, livrou-se da maioria. Deixou lá o Heródoto de Discreto e o livro dos truques de moedas e, com uma angústia momentânea, abandonou os discos de metal vazios que tinha roubado da oficina e que lhe tinham servido de moedas. Haveria moedas, moedas verdadeiras, lá fora. Barbeou-se. Vestiu roupas civis. Caminhou de porta em porta sabendo que nunca voltaria a passar por elas novamente, a sentir um vazio por dentro.
                A chuva tinha começado a cair com força do céu cinzento, uma chuva gelada. Bolinhas de gelo atacavam a cara de Sombra, enquanto a chuva encharcava o seu sobretudo à medida que se aproximavam do ex autocarro escolar amarelo que os levaria à cidade mais próxima.
                Quando chegaram ao autocarro estavam ensopados. Oito deles iam embora. Mil e quinhentos ainda estavam lá dentro. Sombra sentou-se no autocarro e tremeu até o aquecimento começar a funcionar, perguntou-se o que faria, para onde iria.
                Imagens fantasmagóricas encheram a sua mente de forma involuntária. Na sua imaginação estava a sair de outra prisão há muito tempo.
                Tinha estado preso numa divisão sem luz há demasiado tempo: a sua barba estava descontrolada e o seu cabelo estava todo emaranhado. Os guardas tinham-no conduzido por uma escadaria cinzenta e para uma praça cheia de coisas de cores garridas, com pessoas e objectos. Era dia de mercado e ele ficou ofuscado com todo o barulho e a cor, cego com a luz do sol que enchia a praça enquanto cheirava o ar salgado e todas as coisas boas do mercado e, à sua esquerda, o sol transmitia o seu brilho a partir da água…
                O autocarro deu um solavanco quando parou num sinal vermelho.
                O vento uivava à volta do autocarro e os pára-brisas afastavam torrentes de água com força para trás e para a frente no vidro fazendo com que a cidade parecesse um borrão de vermelho e amarelo molhados. A tarde estava a começar, mas parecia que já era noite através do vidro.
                - Merda. – Disse o homem no assento atrás de Sombra, enquanto limpava a condensação da janela com a mão e olhava para uma figura molhada que se apressava no passeio. – Há gajas lá fora.
                Sombra engoliu em seco. Ocorreu-lhe que ainda não tinha chorado, na verdade não tinha sentido nada. Não houve lágrimas, nem mágoa. Nada.
                Deu por si a pensar num tipo chamado Johnnie Larch, com quem tinha partilhado a cela nos primeiros tempos de prisão, que lhe tinha dito que uma vez tinha sido libertado após cinco anos atrás das grades com cem dólares e um bilhete para Seattle onde vivia a sua irmã.
                Johnnie Larch tinha chegado ao aeroporto e entregou o seu bilhete à mulher do balcão e ela pediu para ele apresentar a sua carta de condução. Ele mostrou-a. Tinha caducado dois anos antes. Ela disse-lhe que não era válida como documento de identificação. Ele disse-lhe que podia não ter validade como carta de condução, mas que servia muito bem como documento de identificação e, raios, quem raios é que ela pensava que ele era senão ele?
                Ela pediu-lhe para baixar o tom de voz.
                Ele exigiu-lhe o raio de um cartão de embarque ou ia arrepender-se e que não aceitava que lhe faltassem ao respeito. Ninguém deixa que haja falta de respeito na prisão.
                Depois ela carregou num botão e, passado pouco tempo, apareceu a segurança do aeroporto e tentaram persuadir Johnnie Larch a deixar o aeroporto sem mais confusões e ele não quis sair e houve uma espécie de desentendimento.
                O lado positivo de tudo isto foi que Johnnie Larch acabou por nunca chegar a Seattle e passou os dois dias seguintes nos bares da cidade e, quando acabaram os cem dólares, assaltou um posto de gasolina com uma arma de brincar para poder continuar a beber e a polícia acabou por o apanhar por estar a mijar na rua. Pouco depois já estava outra vez na choça para cumprir o resto da pena e ainda mais algum tempo pelo assalto à gasolineira.
                A moral desta história, de acordo com Johnnie Larch, era a seguinte: não chateies pessoas que trabalham em aeroportos.
                - Tens a certeza de que não é algo do género, “O tipo de comportamento que funciona num ambiente específico, como uma prisão, pode não funcionar e pode até tornar-se prejudicial quando usado fora de tal ambiente?” – Disse Sombra quando Johnnie Larch lhe contou a história.
                - Não, acredita nisto, estou a dizer-te, meu – disse Johnnie Larch – não chateies aquelas cabras dos aeroportos.
                Sombra esboçou um meio sorriso com essa recordação. Ainda faltavam muitos meses para a sua carta de condução caducar.
                - Central de camionagem! Saiam todos!
                O edifício tresandava a urina e cerveja amarga. Sombra entrou num táxi e disse ao motorista para o levar ao aeroporto. Acrescentou que lhe pagava mais cinco dólares se o fizesse em silêncio. Chegaram lá em vinte minutos e o motorista não disse uma palavra.
                Depois Sombra cambaleava pelo terminal bastante iluminado do aeroporto. Sombra estava preocupado com a questão do bilhete electrónico. Sabia que tinha um bilhete para um voo na Sexta-Feira, mas não sabia se o poderia usar naquele dia. Tudo o que era electrónico parecia fundamentalmente mágico para Sombra e passível de evaporar a qualquer momento.
                Ainda assim, ele tinha a sua carteira, estava de novo em sua posse pela primeira vez em três anos e continha vários cartões de crédito caducados e um cartão Visa que lhe tinha feito a surpresa agradável de só caducar no final de Janeiro. Tinha um número de reserva e apercebeu-se que tinha a certeza de que, assim que voltasse a casa, tudo se resolveria de alguma forma. A Laura estaria bem outra vez. Talvez fosse algum esquema para o fazer voltar para casa uns dias antes. Ou talvez fosse uma simples confusão: tinha sido o corpo de outra Laura Lua o que retiraram dos destroços na auto-estrada.
                Relâmpagos tremeluziam do lado de fora do aeroporto, pelas janelas. Sombra apercebeu-se de que estava a suster a respiração, à espera de algo. Um estrondo distante de trovoada. Expirou.
                Uma mulher branca cansada olhou fixamente para ele atrás do balcão.
                - Olá. – Disse Sombra. É a primeira mulher desconhecida com quem falo em pessoa em três anos. – Tenho o número de um bilhete electrónico. Era para viajar na Sexta-Feira, mas tenho de ir hoje. Morreu uma pessoa na minha família.
                - Mhm. Lamento. – Ela escreveu algo com o teclado, olhou para o ecrã, voltou a escrever. – Não há problema. Está no voo das 15:30. Pode sofrer atrasos devido à tempestade, por isso esteja atento aos ecrãs. Vai levar bagagem no porão?
                Ele mostrou a sua mochila. – Não tenho de levar isto no porão, pois não?
                - Não. – Disse ela. – Não é preciso. Tem alguma identificação com fotografia?
                Sombra mostrou-lhe a sua carta de condução.
                Não era um aeroporto grande, mas a quantidade de pessoas que ali vagueavam, simplesmente vagueavam, maravilhou-o. Observou pessoas descontraídas a pousar as suas malas, carteiras enfiadas em bolsos de trás, viu bolsas pousadas, sem serem vistas, debaixo de cadeiras. Foi aí que se apercebeu de que já não estava na prisão.
                Trinta minutos de espera até ao embarque. Sombra comprou uma fatia de pizza e queimou o lábio no queijo quente. Pegou nos seus trocos e foi aos telefones. Telefonou a Robbie na Muscle Farm, mas foi para as mensagens.
                - Olá, Robbie. – Disse Sombra. – Disseram-me que a Laura morreu. Deixaram-me sair mais cedo. Vou a caminho de casa.
                Depois, porque as pessoas têm tendência a cometer erros, já tinha visto isso a acontecer, ligou para casa e ouviu a voz de Laura.
                - Olá. – Disse ela. – Não estou aqui ou não posso atender agora. Deixem uma mensagem e eu ligo. E tenham um bom dia.
                Sombra não teve coragem de deixar uma mensagem.
                Sentou-se numa cadeira de plástico perto da porta de embarque e ao mesmo tempo segurava a sua mochila com tanta força que lhe doía a mão.
                Estava a pensar na primeira vez em que tinha visto Laura. Nem sequer sabia o seu nome na altura. Ela era a melhor amiga de Audrey Burton. Estava sentado com Robbie numa cabine do restaurante Chi-Chi quando Laura entrou um passo ou perto disso atrás de Audrey, e Sombra deu por si a olhar fixamente. Ela tinha cabelo longo e cor de avelã e uns olhos tão azuis que Sombra pensou por engano que ela estava a usar lentes de contacto coloridas. Ela pediu um daiquiri de morango e insistiu para que Sombra o provasse e riu-se com deleite quando ele o fez.
                Laura adorava fazer as pessoas provar o que ela provava.
                Ele deu-lhe um beijo de boa noite, nessa noite, e ela sabia a daiquiri de morango, e ele nunca mais quis beijar outra pessoa.
                Uma mulher anunciou que o seu avião estava pronto para o embarque e a fila de Sombra foi a primeira a ser chamada. Ele ficou no fundo do avião com um lugar vazio ao seu lado. A chuva batia de forma contínua no avião: ele imaginou crianças pequenas a atirar mãos cheias de ervilhas secas do céu.
                Assim que o avião descolou, adormeceu.
                Sombra estava num sítio escuro e a coisa que estava a olhar para ele tinha uma cabeça de búfalo, espessa e peluda com uns olhos molhados enormes. O seu corpo era de homem, oleado e lustroso.
                - Vêm aí mudanças. – Disse o búfalo sem mexer os lábios. – Certas decisões terão de ser tomadas.
                Luz de fogo tremeluziu vinda das paredes molhadas da caverna.
                - Onde estou? – Perguntou Sombra.
                - Na Terra e debaixo da Terra. – Disse o homem búfalo. – Estás onde esperam os esquecidos. – Os seus olhos era berlindes pretos líquidos e a sua voz um estrondo vindo de debaixo do mundo. Cheirava a vaca molhada. – Acredita. – Disse a voz estrondosa. – Se quiseres sobreviver, tens de acreditar.
                - Acreditar em quê? – Perguntou Sombra. – Em que devo acreditar?
                Ele olhou fixamente para Sombra, o homem búfalo, e fez-se gigante, e os seus olhos encheram-se de fogo. Abriu a sua boca de búfalo salpicada de saliva e era vermelha por dentro com as chamas que ardiam dentro dele, debaixo da Terra.
                - Em tudo. – Rosnou o homem búfalo.
                O mundo tremeu e girou e Sombra estava outra vez no avião; mas o tremer continuava. Na parte da frente do avião uma mulher gritava meia encorajada.
                Os relâmpagos rebentavam com uma luz cegante por todo o avião. O capitão surgiu no interlocutor para dizer que ia tentar ganhar alguma altitude para fugir da tempestade.
                O avião foi sacudido e estremeceu e Sombra perguntou-se de forma fria e despreocupada, se morreria. Parecia possível, mas pouco provável. Olhou pela janela e viu os relâmpagos iluminarem o horizonte.
                Depois adormeceu outra vez e sonhou que estava de novo na prisão e que o Discreto lhe tinha dito em segredo na fila da comida que alguém tinha um contrato pela vida dele, mas que Sombra não podia descobrir quem ou porquê. Quando acordou, estavam a aterrar.
                Saiu a cambalear do avião e a piscar os olhos até estar completamente acordado.
                Tinha a ideia de que todos os aeroportos tinham o mesmo aspecto. Não importava onde estava, estava num aeroporto: azulejos e passagens pedonais e quartos de banho e portas e quiosques e luzes florescentes. Este aeroporto parecia um aeroporto. O problema é que não era a este aeroporto que queria chegar. Este aeroporto era grande, com demasiadas pessoas e demasiadas portas de embarque.
                - Desculpa, senhora?
                A mulher olhou para ele por cima do bloco de notas. – Sim?
                - Que aeroporto é este?
                Ela olhou para ele, confusa, a tentar decidir se ele estava ou não a brincar, depois disse, - St. Louis.
                - Pensava que este avião ia para Eagle Point.
                - E ia. Eles desviaram a rota para aqui devido ás tempestades. Não anunciaram isso?
                - É provável. Eu adormeci.
                - Tem de falar com aquele homem ali de casaco vermelho.
                O homem era quase tão alto como sombra: parecia o pai de uma sitcom dos anos setenta e escreveu algo no computador e disse a Sombra para correr – corra! – para uma porta de embarque do outro lado do terminal.
                Sombra correu por todo o aeroporto, mas a porta de embarque já estava fechada quando lá chegou. Viu o avião a afastar-se da porta, através da janela.
                A mulher da secretária de apoio ao passageiro (pequena e castanha, com uma verruga num dos lados do nariz) consultou outra mulher e fez uma chamada. (“Não, esse já não dá. Acabaram de o cancelar”.) Depois imprimiu outro cartão de embarque.
                - Com isto pode embarcar. – Disse-lhe. – Vamos ligar com antecedência para a porta de embarque e dizer-lhes que o senhor está a caminho.
                Sombra sentiu-se como uma ervilha a ser trocada entre três copos, ou uma carta a ser baralhada. Mais uma vez correu por todo o aeroporto, acabando perto de onde tinha saído do avião.
                Um homem pequeno na porta de embarque pegou no seu cartão de embarque. – Estamos à sua espera. – Confidenciou, enquanto rasgava a ponta do cartão de embarque, com o lugar de Sombra (17-D) aí imprimido. Sombra foi depressa para o avião e fecharam a porta atrás dele.
                Passou pela primeira classe sem parar – havia apenas quatro lugares na primeira classe, três deles estavam ocupados. O homem barbudo num fato pálido que estava sentado ao lado do lugar desocupado na frente de todo, deu um sorriso largo a Sombra quando este entrou no avião, depois levantou o seu pulso e bateu de leve no relógio, enquanto Sombra passava por ele.
                Pois, pois. Estou a atrasá-lo, pensou Sombra. Que seja esse o seu maior problema.
                O avião parecia estar bastante cheio à medida que caminhava até ao fundo. Na verdade, descobriu Sombra, estava completamente cheio e estava uma mulher de meia idade sentada no lugar 17-D. Sombra mostrou-lhe o seu cartão de embarque e ela mostrou-lhe o dela: eram iguais.
                - Pode ir para o seu lugar, por favor? – Pediu a hospedeira.
                - Não. – Disse ele. – Infelizmente não posso.
                A hospedeira bateu com a língua no céu-da-boca e verificou os seus cartões de embarque, depois pediu a Sombra que a seguisse novamente até à frente do avião e indicou-lhe o lugar vazio na primeira classe.
                - Parece que é o seu dia de sorte. – Disse-lhe. – Quer que lhe traga algo para beber? Temos tempo agora antes da descolagem e tenho a certeza que precisa de uma bebida depois disto.
                - Pode ser uma cerveja, se faz favor. – Disse Sombra. – Qualquer marca serve.
                A hospedeira afastou-se.
                O homem do fato de cor pálida sentado ao lado de Sombra bateu no seu relógio com a unha. Era um Rolex preto.
                - Estás atrasado. – Disse o homem e esboçou um sorriso largo sem qualquer tipo de simpatia.
                - Desculpe?
                - Disse que estavas atrasado.
                A hospedeira levou um copo de cerveja a Sombra.
                Por um momento, ele perguntou-se se o homem era doido e depois chegou à conclusão de que ele se devia estar a referir ao avião, por estar à espera de mais um passageiro.
                - Peço desculpa se lhe atrasei a vida. – Disse ele de forma educada. – Está com pressa?
                O avião afastou-se da porta de embarque. A hospedeira voltou e tirou a cerveja a Sombra. O homem do fato de cor pálida fez-lhe um sorriso e disse: - Não se preocupe. Eu seguro bem isto. – E ela deixou-o manter o seu copo de whisky Jack Daniel’s, ao mesmo tempo que protestava, de forma pouco veemente, que tal violava as regras da companhia aérea. (“Deixe-me julgar isso por mim, minha cara”.)
                - O tempo é algo verdadeiramente importante, - disse o homem – mas não. Estava meramente preocupado com o facto de que não chegaria a tempo ao avião.
                - Foi simpático da sua parte.
                O avião estava irrequieto no chão, os motores vibravam ansiosos para trabalhar.
                - Simpático o tanas. – Disse o homem do fato de cor pálida. – Tenho um emprego para ti, Sombra.
                Um rugido de motores. O pequeno avião avançou, puxando Sombra para trás. Depois estavam no ar e as luzes do aeroporto afastavam-se debaixo deles. Sombra olhou para o homem sentado ao seu lado.
                O seu cabelo era uma espécie de cinzento avermelhado. Uma cara íngreme e quadrada com olhos cinzentos. O fato parecia caro e era da cor de gelado de baunilha derretido. A sua gravata era de seda cinzenta escura e o pin era uma árvore feita de prata: com tronco, ramos e raízes profundas.
                Segurou o seu copo de Jack Daniel’s enquanto descolavam e não entornou uma gota.
                - Não vais perguntar-me que tipo de emprego é? – Perguntou ele.
                - Como sabe quem eu sou?
                O homem deu uma risada. – Ah, saber o nome das pessoas é a coisa mais fácil do mundo. Um pouco de reflexão, um pouco de sorte, um pouco de memória. Pergunta-me que tipo de emprego.
                - Não. – Disse Sombra. A hospedeira levou-lhe outro copo de cerveja e ele bebeu-a com pequenos tragos.
                - Porque não?
                - Vou para casa. Tenho um emprego lá à minha espera. Não quero outro emprego.
                O sorriso íngreme não mudou na aparência, mas agora ele parecia sinceramente divertido.
                - Não tens um emprego à tua espera em casa. – Disse ele. – Não tens nada lá à tua espera. No entanto, eu estou a oferecer-te um trabalho perfeitamente legal com bom vencimento, segurança limitada, benefícios de parte incríveis. Raios, se chegares a viver muito, até te ofereço um plano de reforma. Achas que és capaz de querer uma destas coisas?
                Sombra disse: - Deve ter visto o meu nome na mala.
                O homem não disse nada.
                - Quem quer que seja, - disse Sombra – não podia saber que eu vinha para este avião. Nem eu sabia que vinha neste avião e se o meu avião não tivesse sido desviado para St. Louis, não estaria aqui. Parece-me que o senhor é um brincalhão. Talvez esteja à procura de algo. Mas acho que talvez seja melhor acabar com a conversa agora.
                O homem encolheu os ombros.
                Sombra pegou na revista do avião. O pequeno avião estremecia e dava solavancos pelo seu, algo que dificultava a concentração. As palavras flutuavam pela sua mente como bolas de sabão, desaparecendo por completo num momento.
                O homem ao seu lado estava calado a beber o seu Jack Daniel’s com pequenos tragos. Estava de olhos fechados.
                Sombra leu a lista dos canais de música disponíveis nos voos transatlânticos e depois olhou para o mapa do mundo com linhas vermelhas que informavam os destinos da companhia aérea. Depois terminou a leitura da revista e, com alguma resistência, fechou-a e voltou a colocá-la no bolso do banco da frente.
                O homem abriu os olhos. Os seus olhos tinham algo de estranho, pensou Sombra. Um deles era mais cinzento do que o outro. Ele olhou para Sombra.
                - Já agora, - disse ele – foi uma pena ouvir as notícias da tua mulher, Sombra. Foi uma grande perda.
                Aí, Sombra quase bateu no homem. Porém, em vez disso, respirou fundo. (-É como te digo, não chateies aquelas cabras dos aeroportos. – Disse Johnnie Larch na sua cabeça – Senão arrastam-te logo para a choça). Contou até cinco.
                - Também para mim. – Disse ele.
                O homem abanou a cabeça – Antes não tivesse de acontecer assim. – Disse ele e suspirou.
                - Ela morreu num acidente de automóvel, – disse Sombra – Há formas piores de morrer.
                O homem abanou a cabeça lentamente. Por um momento Sombra ficou com a impressão de que o homem não era substancial, de que o avião se tinha tornado mais real e o seu vizinho menos.
                - Sombra, - disse ele. – Não é uma brincadeira. Não é um truque. Posso pagar-te melhor do que vais conseguir ganhar em qualquer outro emprego. És um ex-condenado. Não vai haver uma fila grande de pessoas a atropelar-se para te contratar.
                - Senhor quem-raio seja, - disse Sombra, num tom suficientemente alto para se fazer ouvir por cima do ruído dos motores – não existe dinheiro suficiente no mundo”.
                O sorriso cresceu. Sombra deu por si a lembrar-se de um programa sobre chimpanzés da PBS. No programa diziam que quando os macacos ou os chimpanzés sorriam era uma forma de fazer uma careta em situações de ódio ou agressão ou terror. Quando um chimpanzé sorri, é uma ameaça.
                - Trabalha para mim. Pode ser um pouco arriscado, claro, mas se sobreviveres podes ter tudo o que desejas. Podes ser o próximo Rei da América. Bem, - disse o homem – quem mais é que te vai pagar tão bem, hmm?
                - Quem é o senhor? – Perguntou Sombra.
                - Ah, sim. A era da informação (menina, podia trazer-me outro copo de Jack Daniel’s? Não ponha muito gelo.), não que tenha existido outro tipo de era. Informação e conhecimento: uma moeda que nunca se extingiu.
                - Perguntei quem era.
                - Vamos ver. Bem, visto que hoje é mesmo o meu dia de sorte, porque não me chamas Quarta-Feira? Senhor Quarta-Feira. Se bem que, com este tempo, até que podia ser Quinta-Feira, não?
                - Qual é o seu nome verdadeiro?
                - Trabalha para mim tempo suficiente e bem o suficiente, - disse o homem do fato de cor pálida – e pode ser que até te diga. Aí está. Uma oferta de emprego. Pensa nisso. Ninguém espera que digas que sim imediatamente, sem saber se te estás a meter num tanque de piranhas ou numa caverna de ursos. Demora o tempo que for preciso. – Fechou os olhos e encostou-se no seu lugar.
                - Não me parece. – Disse Sombra. Não gosto do senhor. Não quero trabalhar consigo.
                - É como digo, - proferiu o homem sem abrir os olhos – não tenhas pressa. Demora o tempo que for preciso.
                O avião aterrou com um solavanco e alguns passageiros saíram. Sombra olhou pela janela: era um aeroporto pequeno no meio do nada e ainda faltavam mais dois aeroportos pequenos até chegar a Eagle Point. Sombra dirigiu o olhar para o homem do fato de cor pálida, o Sr. Quarta-Feira? Parecia estar a dormir.
                Impulsivamente, Sombra levantou-se, pegou na sua mala e saiu do avião, desceu a escada até chegar ao piso de asfalto molhado e caminhou com passos uniformes para as luzes do terminal. Uma chuva miúda salpicava-lhe a cara.
                Antes de entrar no aeroporto, parou, virou-se para trás e olhou. Mais ninguém tinha saído do avião. O pessoal de terra retirou a escada, a porta fechou-se e o avião descolou. Sombra entrou e alugou o que descobriu ser, quando chegou ao parque de estacionamento, um Toyota vermelho pequeno.
                Sombra desdobrou o mapa que lhe tinham oferecido e abriu-o no banco de passageiro. Eagle Point ficava a cerca de quatrocentos quilómetros de distância.
                As tempestades tinham terminado, se é que tinham chegado ali. O tempo estava frio e calmo. Algumas nuvens passaram pela Lua e, por um momento, Sombra não sabia se eram as nuvens ou a Lua que se moviam.
                Conduziu para norte durante uma hora e meia.
                Estava a ficar tarde. Ele tinha fome e, quando se apercebeu da fome que realmente tinha, saiu na próxima saída que encontrou e foi até à vila de Nottamun (População: 1301 pessoas). Encheu o depósito na Amoco e perguntou à mulher aborrecida na caixa registadora onde havia um sítio para comer.
                - Há o Bar Crocodilo do Jack. – Disse-lhe. – Fica a oeste daqui na estrada municipal N.
                - Bar Crocodilo?
                - Sim. O Jack diz que eles dão carácter ao sítio. – Ela desenhou um mapa na parte de trás de um folheto lilás. Este publicitava frango assado e os lucros iam para uma menina que precisava de um rim. – Ele tem dois crocodilos, uma cobra e daquelas coisas grandes parecidas com lagartos.
                - Uma iguana?
                - É isso.
                Depois de passar a vila e a ponte, seguiu em frente mais uns três quilómetros e parou em frente a um edifício rectangular baixo com um cartaz da cerveja Pabst.
                O parque de estacionamento estava meio vazio.
                Lá dentro, o ar estava cheio de fumo e na jukebox tocava “Walking After Midnight”. Sombra olhou à sua volta à procura dos crocodilos, mas não os viu. Perguntou-se se a mulher do posto de gasolina não estaria a gozar com ele.
                - O que vai ser? – Perguntou o barman.
                - A cerveja da casa e um hambúrguer com os extras todos. E baratas fritas.
                - Quer uma taça de chili de entrada? É o melhor chili do Estado.
                - Parece-me bem. – Disse Sombra. – Onde é a casa de banho?
                O homem apontou para uma porta num canto do bar. Havia um crocodilo de peluche colado na porta. Sombra entrou.
                Era uma casa de banho limpa e bem iluminada. Sombra olhou para toda a divisão primeiro; era do hábito. (“Lembra-te Sombra, não podes lutar quando estás a mijar.” – Disse Discreto, discreto como sempre na sua cabeça). Escolheu o urinol da esquerda. Depois abriu a braguilha e urinou durante muito tempo sentindo alívio. Leu os papéis amarelados fixados no quadro à sua frente, que tinha também uma fotografia de Jack com dois jacarés.
                Chegou um resmungo cortês do urinol à sua direita, apesar de ele não ter ouvido ninguém a entrar.
                O homem do fato de cor pálida era maior em pé do que parecia quando estava sentado no avião ao lado de Sombra. Era quase da altura de Sombra e Sombra era um homem alto. O homem estava a olhar para a frente. Acabou de urinar, sacudiu as últimas gotas e apertou a braguilha.
                Depois fez um grande sorriso, como uma raposa a comer merda numa cerca com arame.
                - Então, - disse o Sr. Quarta-Feira – já te dei algum tempo para pensar, Sombra. Queres um emprego?